Municipalismo: O Que Deve Ser Feito

Introdução

A estratégia municipalista apresentada neste texto é a maneira de usar o ideal democrático por fora do estado, contra ele e de maneira permanente.
O municipalismo proposto por esta estratégia é a confederação de municípios, isto é, a descentralização sem secessão.
A secessão não está contida na proposta por causa das mentalidades nacionalista e globalista impregnadas no imaginário popular. E, como o objetivo de toda estratégia é ser viável, não se pode depender de mudanças culturais.
Embora uma confederação de municípios não seja a emancipação completa dos municípios, pode-se impedir que o estado se centralize novamente retirando os meios do poder central de fazê-lo. A saber, a força e a legislação.
O ideal democrático é o governo do povo para o povo, não o governo dos políticos para seus interesses particulares. E, quanto mais próximo o poder político está de seus eleitores, mais democrático um sistema é, ou aparenta ser, para quem não entende de livre mercado. Sendo assim, os adeptos à utopia do ideal democrático almejam a descentralização do poder, embora possam muitas vezes rejeitar a secessão.

O Ponto de Partida

O ideal democrático, o governo do povo para o povo, está extremamente impregnado no imaginário popular, mesmo que a democracia seja um falso deus fadado a sempre falhar. Isto é possível porque as falhas da democracia são interpretadas como falhas de políticos, partidos e eleitores, mas quase nunca como falhas da própria democracia. Portanto, não é eficiente lutar contra o ideal democrático, mas sim propagar o fato de que sistemas centralizados não podem ser democráticos, por conta da enorme distância entre os políticos e a cobrança de seus eleitores. Isto é, não se deve combater a democracia para combater o estado, deve-se combater o estado com a democracia.

Exatamente por partir da constatação de que sistemas centralizados não podem ser democráticos, esta estratégia não pode ser aplicada através do sistema político estatal. Do contrário, o discurso seria completamente contraditório desde a sua raiz. Seria começar dizendo que o sistema político centralizado não funciona e que, por causa disso, devemos usá-lo com o objetivo de trocá-lo por outro descentralizado. Porém, como isto seria possível se a ferramenta utilizada não funciona, como constatado no início? Isto seria muito mais rejeitável que uma contradição com as próprias ações, pois seria uma contradição do discurso com o próprio discurso.

Como não é possível usar um sistema político centralizado para trocá-lo, deve-se disseminar para o público a informação de que sistemas centralizados não podem ser democráticos. Não se trata de reeducar politicamente as massas, que seria o caso de combater o próprio ideal democrático, mas apenas exibir o fato de que o meio atual, a centralização do poder, utilizado para implementar a democracia, falha miseravelmente, pois favorece o uso do estado por parte de interesses privados.

Descentralizar o estado não é extingui-lo, mas, mesmo assim, é combatê-lo. Tanto a secessão não individual quanto a confederação de municípios apenas diminuem a extensão territorial do poder estatal, mas ainda assim são benéficas à causa libertária. Afinal, é muito mais fácil combater um estado local.

Em um sistema municipalista, cidades competem por empresas tal qual empresas competem por clientes. O que atrai a maioria das empresas é a facilidade de fazer negócios e, sob um sistema de total competição fiscal, a única forma de aumentar a arrecadação de impostos consistentemente é aumentar a liberdade econômica. Isto é, empresas buscam cidades mais livres, diminuindo a arrecadação de impostos das cidades mais estatistas ao abandoná-las. O mesmo ocorre entre países, mas trocar de cidade é muito mais fácil que trocar de país, além de que, numa confederação, municípios podem ser desmembrados facilmente através de plebiscitos locais. Com esta ampla e sistêmica disseminação do livre mercado, a utilidade do estado cai muito mais facilmente em descrédito.

Além de facilitar o combate ao estado, a descentralização não cria coerção, mesmo que menor, em troca de retirar outra maior, porque o estado já existe. No caso do municipalismo, trata-se apenas de retirar o poder de coerção das esferas federal e estadual/provincial. O ideal seria retirar também o poder coercitivo da esfera municipal, porém, não sendo possível, devemos combater primeiro as esferas superiores do estado.

A Descentralização

Por esta estratégia depender da ampla adesão das massas, não pode conter propostas impopulares. É por causa disto que a secessão deve ficar de fora, por conta das mentalidades nacionalista ou globalista da grande maioria. Tanto nacionalistas, que acreditam que a nação é uma família, que deve ter um pai para governá-la, quanto globalistas, que acreditam que toda a humanidade é essa família, rejeitam veementemente a secessão, por rejeitarem a imposição de fronteiras dividindo a família da qual acreditam fazer parte. E, infelizmente, juntos são a esmagadora maioria, sendo completamente inviável combatê-los diretamente.

Por ser inviável propor secessão, deve fazer parte central do discurso às massas a constatação de que, se o estado central tiver o poder da força ou da legislação, o sistema pode se recentralizar. Isto é, deve-se disseminar não apenas a constatação de que sistemas centralizados não podem ser democráticos, mas também que, justamente por não serem sujeitos à pressão popular, não se pode deixar nas mãos do poder central meios de recentralização.

O ente central não pode ter um poder legislativo nem um judiciário. O poder de legislar e aplicar leis sobre entes privados deve ser restrito à esfera municipal. Por conseguinte, emendas constitucionais à constituição do país só podem ser aprovadas via voto direto (referendo).
Esta proposta tem uma impopularidade. Apesar de se aproximar muito mais do ideal democrático em relação a um sistema centralizado, os estatistas, por comodidade, não gostam da ideia de ter que obedecer a uma legislação diferente a cada cidade em que estiverem. Para contornar esta rejeição, basta propor que os cidadãos só sejam obrigados a obedecer a legislação do município em que residem. E que, em casos de conflitos de cidadãos de municípios diferentes, um terceiro município, escolhido pelos municípios envolvidos, deve julgar o caso.
Impostos, multas etc devem ser pagos ao município em que o cidadão se situar. Porém, seguindo a legislação do município de residência.
Espaços públicos cujas normas requerem uniformidade, como legislação de trânsito, podem ser definidas pelo executivo central. Porém, as respectivas penalidades só podem ser definidas pelos municípios.

Mesmo que o poder central não tenha atribuição legislativa, ainda pode se recentralizar valendo-se da coerção. Para impedir que um golpe de estado possa ocorrer, bastaria retirar o controle das forças armadas das mãos do poder central. Porém, tal proposta também enfrentaria significativa rejeição popular. O medo de uma desunião das forças armadas enfraquecer o combate a possíveis invasões de estados estrangeiros gera desconfiança nos estatistas.
No lugar de retirar o controle das forças armadas das mãos do poder central, deve-se propor que apenas os municípios possam financiá-las. Sendo assim, em caso de uma tentativa de golpe de estado, os municípios cortariam o financiamento das forças armadas e do próprio poder central (somente os municípios poderiam cobrar impostos, porque as demais esferas não teriam o poder de legislar).
Um impedimento adicional a um golpe de estado é restringir a nomeação de comandantes militares aos municípios correspondentes às regiões comandadas.

Sem o poder de nomear comandantes das forças armadas, sem o poder de financiá-las e sem o poder legislativo, é virtualmente impossível que o poder central consiga se recentralizar sem auxílio de uma força maior externa. Desse modo, uma confederação de municípios é tão permanente quanto uma secessão, mas sem ter a rejeição dos nacionalistas nem dos globalistas.

A Transição

Mudanças repentinas não são vistas com bons olhos pela grande maioria da população. A instauração do municipalismo não deve anular automaticamente todas as legislações vigentes. Em vez disso, os municípios devem revisar e cancelar leis incompatíveis com o novo sistema através de seus tribunais constitucionais municipais.

De mesma forma, o nível intermediário do estado (estadual/provincial) não deve ser abolido, mas transformado em convênios entre suas prefeituras. Para que então os municípios possam rever detalhe a detalhe a reorganização dos órgãos da esfera intermediária.

Para que municípios pequenos possam se manter sem depender dos atuais repasses de orçamento das esferas superiores, órgãos como o tribunal constitucional, tribunal de contas, ministério público e polícia podem ser mantidos em conjunto com municípios vizinhos. Só deve ser exigido que mantenham com exclusividade o legislativo, a chefia de governo e a chefia de estado.

O Discurso

Embora a estratégia consista em usar a democracia contra o estado, o discurso não pode reforçar os ideais democráticos. Em vez de dizer ao público que sistemas centralizados são ruins por serem antidemocráticos, deve-se propagar o fato de que são maléficos por favorecerem o uso do estado por parte de interesses particulares (patrimonialismo). Isto é, não se pode enaltecer a democracia, mas mostrar a todos que sistemas centralizados são tudo aquilo que os democratas, mas não somente eles, mais rejeitam.

A Instauração

Com os democratas trabalhando ao nosso favor, é viável transmitir para as massas a informação de que sistemas centralizados necessariamente servem a interesses particulares. Em conjunto, um sistema municipalista tal qual apresentado neste texto deve acompanhar esta propagação, como solução ao problema apresentado.

Como abordado anteriormente, não é possível usar um sistema político centralizado para descentralizar o poder. Em vez disso, a instauração do novo sistema deve ocorrer via referendo para aprovar uma constituição estabelecendo-o. Constituição esta escrita pelo movimento que propagar a causa municipalista. E então, em mais uma maneira, pode-se usar a democracia contra o estado.

É provável que a casta política jamais aceitará referendar uma constituição municipalista de iniciativa popular. Porém, não restará escolha. Com as massas enfurecidas com o estado patrimonialista, descobrindo que foram enganadas desde sempre, com a solução à vista, derrubará qualquer coisa que estiver em seu caminho. O estado não consegue lutar contra os democratas. O estado criou a democracia e este monstro o arruinará.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Municipalismo: A Melhor Forma de Combater o Estado

O Modelo Municipalista

O Municipalismo